sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Inocência.

Estava chovendo e eu caminhava com alguns amigos de ocasião pelas ruas de uma madrugada mal definida.
Nem era preciso ampliar muito o campo de visão para perceber outras pessoas perambulando pela mesma madrugada mal definida. Quase como um espelho de almas utilizando-se de corpos diferentes.
Avistei uma criança nessa loucura toda. Pensei comigo mesmo o que uma criança fazia na rua naquele horário.
Me fez lembrar que já era dia das crianças.
A criança atravessa a rua e me pergunta se eu tinha cigarros. Respondi que não, porque não fumava.
"Mas seus amigos devem ter..." - me disse a criança. Sim, todos meus amigos tinham cigarros em suas mãos ou bocas.
"E se você não fuma, por que você está com um cigarro na mão?"
Olhei e vi que a criança não estava mentindo, pois eu realmente fazia parte daquele contexto todo junto com os demais.
"Que eu saiba você nem sabe tragar."
Perguntei quase em silêncio porque ele dizia isso.
"Porque eu sou você."
Realmente achei a partir daquele momento que eu havia exagerado na quantidade de álcool ingerida naquela noite.
"Sim, eu sou você. Sou fã de cavaleiros do zodíaco e sei que você usa o mesmo chaveiro do homem-aranha desde a 3ª série."
É, eu devia estar muito bêbado mesmo.
"Por que as pessoas bebem?" - me perguntou a criança.
Respondi que era pelo gosto.
"Gosto? Achei que você iria me dizer que era porque o álcool afasta temporariamente as pessoas dos problemas da realidade, faz as máscaras que as pessoas usam no dia a dia caírem. Além de ser uma convenção e um estimulante social, muitas vezes."
Já estava me conformando que qualquer tipo de resposta não iria adiantar para satisfazer aquela tal criança, supostamente eu mesmo. E de fato não era pelo gosto, afinal ninguém sai de casa pra tomar porre de coca-cola.
"Tão ruim assim ser adulto?" - me perguntou a criança filósofa. "Bebem para deixarem de ser o que são na maior parte do tempo..."
Tentei explicar para a criança que isso não era necessariamente algo ruim, era apenas algo necessário algumas vezes.
"Sei lá, não me imaginava assim com a sua idade". "Com a alma tão vazia, à procura de algo que nem mesmo você sabe o que é para preencher esse vaco no coração". "Nós, crianças, não precisamos fugir de nossa realidade ou usar máscaras (a não ser que você esteja falando de máscaras de brinquedo, algo assim)" "Sem falar que não precisamos botar a culpa em bebidas para justificar atitudes (muitas vezes pensadas sobriamente, no caso de vocês) que tomamos".
Disse para a criança que ela estava certa, mas lembrei que crianças não sofrem dos mesmos problemas que os adultos.
"Com certeza não, mas todos vocês aqui nessa madrugada mal definida agem como se quisessem voltar a serem crianças, com a exceção de quererem manter intactos os prazeres da vida adulta".
Fiquei pensando como uma criança poderia chegar a conclusões desse tipo com aquela idade.
"É porque eu sou você, com as almas trocadas e em corpos diferentes" "Aliás, sei que provavelmente essa conversa não vai te levar a lugar algum, pois você nem vai se lembrar de nada mesmo" "Mas antes de ir, só que quero que você reflita porque você ainda não olhou nenhuma vez para a garoa noturna iluminada pelos postes de luz que sempre foi seu fenômeno da natureza favorito" "Adeus!".

É... a criança estava enganada. Não me esqueci do que aconteceu.
E talvez a água que molhava meu rosto não fosse feita exatamente de chuva, mas muito provavelmente fosse feita de lágrimas que fugiam de meu coração.

De meu coração vazio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário